fe03A fé é o quilômetro zero de nossa vida espiritual. A distância corrida da nossa vida espiritual, será mais ou menos longa de acordo com os anos que Deus nos concede e data que iniciamos esta corrida do nosso caminho até Deus. O quilometro zero, sempre deixamos para trás, desde o momento em que aceitamos, de verdade, a existência de Deus. Não uma existência teoria que pensamos que não nos afeta diretamente, mas uma vida centrada não só na existência de Deus, mas, fundamentalmente, em seu amor, porque Ele é amor e somente amor, e quem não vive vibrando pela razão deste amor não vive devidamente a existência de Deus. Podemos ter sido batizados, confirmados e feito a primeira e, muitas vezes, a comunhão e possivelmente não cremos que temos fé e sim, em teoria pode ser que a tenhamos, mas é uma fé morta, teoria ou ilustrativa como a qualifica os teólogos. Frei Luís de Granada, distinguia acentuadamente dizendo: uma coisa é “ter fé” e outra é “viver a fé” e a fé não se pode dizer que se tem, se não viver o amor correspondente que o Senhor nos tem.

Podemos, distinguir, entre fé natural humana e fé sobrenatural ou divina. A fé natural nos é necessária para viver. Os sentidos e a razão nos permitem chegar ao conhecimento de muitas verdades materiais. Mas há outras muitas que aceitamos apoiando-nos, unicamente, na autoridade intelectual dos demais. São poucos os que tiveram no Estreito de Bering, mas temos fé que ele existe. O mesmo que temos fé de que o que comemos diariamente não está envenenado, mesmo sabendo que muitas pessoas que foram mortas envenenadas, porque senão, não poderíamos comer tranquilos sem desconfiarmos de tudo. Essencialmente, não existe ninguém interessado, em que não acreditamos que existe o Estreito de Bering, ou em amargarmos a vida dizendo-nos que o que comemos está envenenado.

A fé sobre natural se distingue da natural, essencialmente em que aqui, há alguém muito mais inteligente que nós que está interessado em querer nos convencer de que Deus não existe. Naturalmente me refiro ao demônio. A fé é aceitar e trabalhar em consequência, da existência de que existe outro mundo, para o que temos sido criados, é este um mundo de realidades, que escapa a nossa compreensão plena de nossas pobres mentes, e necessitamos ser iluminados por uma luz sobrenatural, não material, que não ilumine nossos corpos, mas nossas almas. É esta uma luz, que so podem captar os olhos da nossa alma cada vez mais, na medida em que o desenvolvimento espiritual da nossa vida íntima, acabe sendo cada vez maior, e os olhos de nossa alma vao adquirindo uma visão mais aguda das maravilhas de amar ao Senhor; de poder captar esta luz espiritual, que nos abre as portas de nosso coração, para que o Senhor entre mais amplamente em nosso ser e se aposse alegremente de nós.

O conhecimento que a fé nos dá, é a da existência deste mundo espiritual, que não espera, e, da qual, Deus nos proporcionou determinadas verdades reveladas. De diversas formas e em todo tempo, Deus falou aos homens, revelando parte de seus mistérios. E o homem que se abre as estas revelações divinas e as aceita com a mente e o coração, ao Deus de seus amores, é o homem que tem fé verdadeira e vive conforme ela. Ter fé, segundo a revelação do Senhor, é entregar-se a Deus sem reservas; é aceitar a Palavra e a Pessoa que revela. Por isso, o ato de fé supõe a graça que ilumina a inteligência e move a vontade sem diminuir a liberdade humana, mas comprometendo intrinsicamente o homem. Para Joao Paulo II: “A fé é a resposta por parte do homem à palavra da Revelação Divina”. E, logicamente, tal como escreve São João Evangelista: “… o que não crê já está condenado” (Jo 3,18).

A fé, quando se tem, cria no homem a obrigação de conhecer e viver as verdades reveladas, porque a fé nos salva, consiste em viver conforme ela em todo lugar e momento. E a fé nos salva, porque ela supõe nossa incorporação em Cristo: “o que crê no Filho tem a vida eterna” (Jo 3,36). A fé não se impõe, mas se propõe. Somos inteiramente livres em aceita-la ou rejeita-la. Mas se a aceitamos, o mesmo que se a rejeitamos, o fazemos com todas as consequências. Porque “… sem a fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6).

A fé é algo que depende, não tanto da inteligência, mas sim da vontade. Primeiramente, é um dom divino, que o Senhor está sempre disposto a doar, como o está em relação a qualquer outro bem espiritual que lhe pedimos; mas o importante é ter a vontade de amar e deseja-lo, a inteligência aqui, não nos serve de nada. Com o Senhor, nada se adquire pela razão, pela inteligência, mas  pela razão do amor, da vontade que temos de amar-lhe.

Adquirida a fé, esta não é uma categoria absoluta, que nos permita pensar, tenho ou não fé, porque a fé é variável. Pode-se ter uma profunda fé ou perde-la por falta de amor ao Senhor. Também se pode iniciar uma caminhada espiritual, com uma fé fraca e, com amor e perseverança, adquirir uma fé profunda e sólida. O demônio está sempre à espreita e sabe muito bem que se desmoronar a fé de alguém, este será uma presa certa. Vamos lá! Quem já arrumou sua mala? Por isso tem muita importância as chamadas dúvidas de fé, frente à qual ninguém está vacinado e por isso seguro. Em geral nossa fé é sempre muito fraca. Sabemos que o Senhor nos disse: “É porque vocês não tem muita fé. Eu garanto a vocês: se vocês tiverem fé do tamanho de um grão de mostarda, poderão dizer a esta montanha: ‘Vá daqui para lá’, e ela irá. E nada será impossível para vocês” (Mt 17,20). Por acaso sabe ou conhece alguém, que por sua fé moveu uma montanha? Isto nos da a medida da fraqueza de nossa fé. Nunca pedimos o suficiente para fortalecer a nossa fé e assim vai.

São Pedro em sua primeira epístola nos disse: “Sejam sóbrios e fiquem de prontidão! Pois o diabo, que é inimigo de vocês, os rodeia como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (1Pd 5,8). E, precisamente, para ele é fundamental que percamos a fé ou, ao menos, enfraquecemo-la, como passo prévio para sua destruição. Por isso ele põe seu empenho em criar as dúvidas de fé. O parágrafo 157 do Catecismo da Igreja Católica nos diz a este respeito: A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas «a certeza dada pela luz divina é maior do que a dada pela luz da razão natural» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II. q. 171, 5, 3um: Ed. Leon. 10, 373). «Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida» (J. H. Newman, Apologia pro vita sua, c. 5. ed. M. J. Svaglic, Oxford 1967, p. 210).

Para Ronald Knox: “A fé não é uma faca que extirpa as dúvidas: é uma injeção que as neutraliza”. As dúvidas de fé, tem uma absoluta relação com o nosso livre-arbítrio, é uma interrogante que nos apresente nossa mente, e que temos de vencer com a força de nosso amor ao Senhor. A dúvida forma parte de nossa vida espiritual e só podemos apaga-la com a força de nosso amor ao Senhor. A dúvida é nosso tormento que suportamos, é um dos preços que temos que pagar, pela capacidade que temos de ser crentes ou não crentes.

Mas nem tudo é negativo, no tormento de lutar em frente as dúvidas de fé, porque elas uma vez superadas trazem suas recompensas e quando maior tem sido a luta, pois se trata de uma autêntica luta, maior será nossa futura recompensa. Se nos esforçamos em avançar no desenvolvimento de nossa vida espiritual, para poder amar mais e mais ao Senhor e as dúvidas de fé que possamos sofrer nos molestam, lembremos o que escreve Francis Nemeck à eremita Maria T. Combs: “Tanto a atração forte para a solidão como para a aridez e a dúvida inquietante, são resultado do começo da contemplação”.