A Igreja nunca condenou explicitamente o trabalho do cientista britânico, mas sempre demonstrou prudência diante das suas implicações antropológicas e filosóficas

Darwin12 de fevereiro foi o “Dia de Darwin”, o dia em que o mundo recorda o nascimento do cientista e naturalista Charles Darwin (1809-1882), conhecido por ter formulado a teoria da evolução. No imaginário popular, Darwin não seria bem visto pela Igreja porque, com suas descobertas científicas, teria desmantelado a “historinha” da criação.

Mas será que isso mesmo?

A Igreja nunca condenou as teorias de Darwin. No entanto, sempre manteve diante delas uma postura de prudência. E não porque elas contradigam o relato literário do Gênesis, mas sim por causa das suas implicações antropológicas e filosóficas.

O cerne da questão é brilhantemente captado pelas palavras do escritor britânico Chesterton no artigo “O poço e as poças”, que fala da sobrevivência da religião no mundo moderno, mas é esclarecedor no tocante às reservas que se podem ter a respeito não tanto da teoria da evolução, mas da sua interpretação errada.

Chesterton lança luz sobre o fato de que os temas centrais da teoria de Darwin, como “seleção natural” e “luta pela vida”, são geralmente interpretados mal, o que resulta em falhas lógicas. Pensemos em como o mau entendimento da teoria de Darwin contribuiu para o nascimento e desenvolvimento de ideologias totalitárias como o nazismo, o comunismo e o liberismo, nas quais a luta pela vida é respectivamente reduzida à luta da raça ariana contra outras raças, do proletariado contra a burguesia e dos ricos contra os pobres. Mas deixemos a palavra ao nosso ilustre escritor.

“Em meio à grande bagunça que a moda materialista conseguiu causar na famosa teoria (de Darwin), surgiu a ideia, partilhada por muitos, de que a luta pela existência deve necessariamente ser uma verdadeira luta entre os candidatos à sobrevivência: literalmente uma briga acirrada até a morte. Ficou no ar a ideia de que a criatura mais forte se destacaria sobre as outras pela violência. A ideia de que este fosse o único método de melhoramento foi acolhida como uma boa notícia pelos maus líderes, pelos maus gestores, pelos exploradores, pelos vigaristas e companhia.

O enérgico promotor financeiro se sentiu no direito de comparar-se modestamente a um mamute que atropela os outros mamutes numa espécie de selva primordial. Homens de negócios destruíram outros homens de negócios na extraordinária consolação de que os cavalos pré-históricos também devoravam outros cavalos pré-históricos. Os ricos descobriram de repente que roubar os pobres e fazê-los morrer de fome não era apenas conveniente, mas também cósmico, porque os pterodátilos podem ter usado as suas pequenas mãos para arrancar os olhos uns dos outros. A ciência, este ser sem nome, afirmou que o mais fraco deveria ser colocado contra a parede – especialmente em Wall Street (nota: aqui há um oportuno jogo de palavras em inglês, já que Wall Street significa “Rua da Parede”).

Do racionalismo ingênuo do século XVIII ao cientificismo puro do século XIX houve uma rápida degradação no senso de responsabilidade dos ricos. O grande Jefferson, quando, relutantemente, legalizou a escravidão, disse temer pelo seu país, pois sabia que Deus é justo. Algum tempo depois, os especuladores se mostraram orgulhosos de si mesmos quando legalizaram a usura e as fraudes financeiras, pois sabiam que a natureza é injusta.

Como quer que seja, as pessoas que falavam deste modo de cavalos canibais e ostras competitivas não entenderam a tese de Darwin. Para o darwinismo, a questão não é que um pássaro de bico mais longo pode furar melhor os outros pássaros e por isso sai em vantagem. A questão é que o pássaro de bico mais longo chega até os bichinhos que estão nos buracos mais fundos, enquanto os pássaros de bico mais curto morrem e dão lugar às aves de bico mais longo.

Aquele que mais se adapta ao ambiente não precisa lutar contra os que menos se adaptam. Aquele que está destinado a sobreviver não tem que fazer nada além de sobreviver. Ele sobrevive porque tem as características e os órgãos necessários para a sobrevivência”.

(matéria da Zenit.org)