Rainer Maria Rilke

A cada um Deus fala, antes de criá-lo,
e noite em fora vai com ele, em silêncio:
mas as palavras, ainda antes do início,
são palavras de nuvens. 

Longe de teus sentidos
vou até a fímbria de tua saudade:
dá-me algo de vestir! 

Atrás das coisas cresce uma espécie de incêndio
que de ti projeta sombras
cada vez mais, até que elas me cobrem todo. 

Deixa que te aconteça tudo: a beleza e o medo.
É preciso ir em frente, sentimento nenhum é o derradeiro.
Não te deixes ficar longe de mim.
Bem perto está o país
a que dão o nome de vida. 

Tu o reconhecerás pela seriedade dele. 

Dá-me tua mão. 

Fonte: Rainer Maria Rilke. O livro de horas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 76