Todas as manhãs de domingo os gansos se reuniam para o culto e escutavam o sermão do ganso velho. 

O ganso velho era um orador muito eloquente. Em seus sermões ele gostava de falar dos celestiais destinos dos gansos e do maravilhoso propósito para o qual Deus os havia criado. E, todas as vezes que Deus era mencionado, as gansas abaixavam os olhos em reverência e os gansos inclinavam a cabeça. Eles se sentiam muito abençoados por terem sido criados com asas, que poderiam carregá-los para terras distantes, a regiões abençoadas, que seriam seus verdadeiros lugares. O ganso velho costumava dizer que eles eram “estranhos e peregrinos numa terra estrangeira”. 

Assim era todo domingo. Após o sermão, a congregação se levantava, e gansos e gansas conversavam antes de bambolear de volta para casa. No domingo seguinte estariam na igreja para ouvir novamente os sermões retumbantes do ganso velho, e depois bamboleariam de volta para casa. Assim é que era. 

Às segundas-feiras os gansos tinham muito o que conversar, e sempre voltavam ao que aconteceu certa vez com o pobre gansinho jovem que resolveu seguir seu destino usando as asas que o Criador tinha lhe fornecido. Ah, que horrores ele enfrentou! Todos os outros sabiam do fato. Mas aos domingos evitavam falar a respeito, com medo de estarem zombando de Deus e deles mesmos. Em vez disso, apenas observavam aqueles que, dentre eles, levavam a ideia de voar e o chamado de Deus muito a sério. Eram pálidos e magros. “Veja no que dá essa loucura de querer voar de verdade…”, pensavam. “A vontade de voar só faz com que percam energia. Eles perdem peso, pois não prosperam na graça de Deus como nós. 

E os gansos continuaram a ir à igreja para ouvir os sermões retumbantes do ganso velho. Todas as vezes que ele mencionava Deus, as gansas baixavam seus olhos em reverência e os gansos inclinavam a cabeça. Então eles pensavam em seus celestiais destinos e no maravilhoso propósito para o qual Deus os havia criado. 

Domingo após domingo os gansos ficavam cada vez mais gordos, cada vez mais redondos e cada vez mais saborosos. 

E quando chegou o Natal eles acabaram na mesa de jantar e foram comidos. Foi assim. 


Fábula dinamarquesa escrita por Soren Kierkegaard (1813-1855). Foi filósofo, teólogo, poeta.