Antonio Torrado
Era uma vez um rato que todos os dias ia comer em um restaurante. Bom. Onde ele comia era no latão do lixo do restaurante, o que não é bem a mesma coisa…
Quem também lá aparecia quase sempre, à cata de gulodices, era um pardal saltitante e otimista.
Às vezes, um homem, pobre e velho, também se abastecia no caixote, à procura de folhas de couve e cascas de fruta, para alimentar dois coelhos de estimação, que não eram esquisitos de boca.
Assim que o homem chegava, o pardal voava e o rato fugia, mas não voavam nem fugiam para muito longe, porque o caixote, ao fim e ao cabo, chegava para todos.
E a história podia ficar por aqui, se nós não soubéssemos que o restaurante teve de fechar, por falta de clientes. Não os do latão, já se vê…
– A casa vai mudar de ramo – informou o pardal, que sabia sempre as últimas.
– “Mudar de ramo”? Então as lojas também voam de árvore em árvore? – perguntou o rato, que sabia muito pouco.
– Não me faça rir, senhor rato – e o pardal riu. – Mudar de ramo quer dizer mudar de atividade. Em vez de um restaurante, vão lá pôr uma loja de ferragens.
– Talvez também tenha uma boa lixeira – lembrou o rato.
– Não me faça rir – e o pardal riu. – Na loja de ferragens há martelos, serras, pregos, parafusos, chaves, fechaduras e… armadilhas para pardais e ratoeiras para ratos…
– Que horror! – arrepiou-se o rato. – Assim vamos morrer de fome.
– Não me faça rir – e o pardal riu. – Eu não conto morrer de fome.
– Então o que é que vai fazer?
– Também vou mudar de ramo, isto é, vou voar para outra árvore, que fique perto de outro restaurante. Quem pode nos dar uma ajuda é esse homem que aí vem, à procura de folhas e de cascas.
– O quê? Ele tem um restaurante? – estranhou o rato.
– Não me faça rir – e o pardal riu. – O que ele tem é muita prática de lixeiras. Se formos atrás dele, havemos de encontrar uma que nos agrade.
Assim fizeram. Um pelo ar e o outro pelo chão, seguiram disfarçadamente o homem. E muito se admiraram que a cidade fosse tão grande, as lixeiras tão abundantes e os restaurantes em tão grande número.
– E não vão todos, de um dia para o outro, transformar-se em lojas de ferragens? – perguntava o ingênuo do rato.
– Não me faça rir – e o pardal riu. – Até que o meu amigo se veja obrigado a comer limalha de ferro e rolos de arame, ainda há de saborear muita coisa gostosa. Não pense em desgraças e aproveite o que há, enquanto há.
Este pardal era, realmente, um otimista.